sexta-feira, novembro 27, 2015

Como explicar o que nunca aprendi?

Vou ser Pai!

A felicidade é imensa e a ansiedade cresce a cada dia que passa. No início o entusiasmo é contido, temeroso, o sorriso é censurado pela racionalidade de que algo pode acontecer, as circunstâncias podem mudar e ainda é tudo muito recente. Aguardemos...
E os dias passam, e vem a primeira consulta e ele lá está. Espera, ele? Aquela mancha ali? "Sim, cá está!". Bem, mas se é essa mancha, então estava ali outra. Não deve ser..."Repare como está aqui, perfeitamente nítido" diz a médica enquanto tinha já movido o foco para a outra mancha que lá estava. Calma Doutora, vá devagar que a vista é perspicaz mas o coração é pequeno: estão aí dois! Bem nitidamente os vi, de facto. E eis que surgem as palavras profissionais "Hmm...esperem...parece que há aqui mais um...Sim, confirma-se: são gémeos!".
Ora bem, eu estava preparado para a confirmação da gravidez - os vários testes feitos não davam margem para dúvidas - mas hoje só vinha preparado para saber Sim ou Não, ninguém me avisou que os ia poder ver, nem tão pouco que podiam ser dois. Já? Este projeto já está em curso e eu ainda não avaliei todas as suas possibilidades, alternativas, variáveis. E são já dois, para que não haja espaço para ponderações de quem julga manietar o mundo e acaba marioneta.

A Ana não sabe se ri ou se chore e está mais bonita que nunca, mas tudo se desenrola lá ao fundo, na realidade, esse universo alternativo onde eu ainda não tinha entrado. Como assim, já estão aí?

Viemos para casa e nesse dia percebi que tudo tinha mudado. Mas calma, rapaz; Esta é uma aventura que querias para ti e tudo está bem, tudo vai correr bem. Não te apresses nem te aflijas, terás tempo para tomar o controlo desta situação e resolverás todos os pendentes a tempo. Espera. Ouve bem o que disseste. Como é que alguém que vai ser Pai pode ser tão ingénuo? Mas tu sabes lá o que aí vem! Estás lá preparado para isto, vai com calma mas faz-te ao caminho porque o tempo está a contar e tens muito para aprender.
Os dias passaram e a nova consulta estava já aí à porta. Fomos, felizes, na esperança de os poder ver novamente. Lá estavam: Perfeitos, redondos, cheios de tanto e de tão pouco. Mini-milímetros de gente...! E de repente a sala enche-se de um som que reconheço mas que mais uma vez me apanhou desprevenido: isto é o coração?! "Bom, na verdade é apenas o batimento cardíaco porque o coração ainda não está formado"... Pois, compreendo: o meu também não está! O meu pobre coração não está mesmo ainda formado para isto!
É tudo demasiado vertiginoso e nem parece real que nos esteja mesmo a acontecer a nós. Os tempos não têm sido fáceis e a fluidez de tudo isto está a assustar-me, não sei se consigo acreditar que tudo possa correr bem, sem sustos ou sobressaltos. Calma, vamos esperar Ana, entusiasmemo-nos mas com moderação. O pseudo-Pai que existe em mim resolveu pôr alguma água na fervura...Mas os corações estavam lá e batiam a um ritmo alucinante, garanto que não há ribombar mais forte do que este: era Vida!

 Foi neste ponto que parei e olhei para mim. Não olhei no espelho, não vi fotografias de criança - olhei para mim. Como é que eu algum dia poderei explicar aos meus filhos ou filhas, aquilo que nunca aprendi? Eu sou uma criança, uma irresponsável criança-em-potência dentro de um responsável adulto. Serei capaz?

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